Museu do Recôncavo da Bahia reabre com proposta de reflexão sobre o passado escravocrata
09/12/2025
(Foto: Reprodução) Símbolo do período colonial reabre no recôncavo 25 anos depois de fechado
O Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, dedicado a relembrar a história do Recôncavo da Bahia, foi reinaugurado, nesta segunda-feira (8), após 25 anos fechado. O equipamento funcionará de quarta a domingo, das 10 às 17h, com acesso gratuito.
A cerimônia de reabertura aconteceu na cidade de Candeias, onde o casarão antigo está localizado, e contou com a presença do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), do secretário da Cultura do estado, Bruno Monteiro, bem como moradores e gestores.
O museu fica em um casarão, que é um patrimônio histórico tombado e instalado dentro do antigo Engenho Freguesia, do século XVI. A propriedade fica no distrito de Caboto e foi doado ao governo do estado em 1970, quando foi transformado em museu e recebeu o nome em homenagem à família que doou o imóvel.
O equipamento oferece visitas guiadas com monitores especializados, audioguia em Libras, banheiros acessíveis e áreas de descanso, além de espaços para residências e ocupações. O percurso, que inclui a Capela de Nossa Senhora da Conceição da Freguesia, tem duração média de duas horas.
O local funcionou até o ano de 2000, quando precisou ser fechado devido às condições precárias. O casarão ficou 18 anos fechado até começar a ser reformado. Para a reabertura, a rede hidráulica foi restaurada e mais de 100 câmeras de monitoramento instaladas. Cerca de R$ 42 milhões foram investigados no loca, que preserva uma série de objetos do período colonial.
"Nós vamos ter uma programação firme tanto com a região, mas principalmente estimulando que turistas que cheguem em Salvador ou na região do recôncavo possam passar aqui e conhecer a nossa história", pontuou o governador do estado.
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Museu do Recôncavo da Bahia é reaberto após 25 anos
Manu Dias/GOV BA
A exposição de abertura apresenta utensílios de cozinha originais da época e mobiliário do século 19. Uma ala foi dedicada aos povos originários da região, que tem sua história contada nas paredes do museu. Uma sala dedicada ao período da escravidão, grilhões, correntes e algemas foram trazidas para apresentar a realidade dos africanos cativos obrigados a trabalhar na região no período histórico.
"Esse objetos vieram para cá para a gente apresentar essa realidade também, que aconteceu e foi dentro dessa casa. As pessoas precisam ver o que aconteceu", opinou Daniela Steele, coordenadora do museu, em entrevista á TV Bahia.
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Núcleos expositivos
A partir de um amplo trabalho de pesquisa e concepção realizado pelo IPAC, o Museu passa a contar com cinco núcleos expositivos que estruturam a nova narrativa, além da Capela de Nossa Senhora da Conceição da Freguesia, com exposição de arte sacra, e o térreo para exposições temporárias de longa duração.
O Núcleo Histórico apresenta uma linha do tempo que revisita os principais marcos do Engenho Freguesia e a trajetória do próprio Museu. No Núcleo dos Povos Originários, o visitante encontra fotografias, vídeo documentário e uma intervenção artística em grafismo feita pelo artista indígena Thiago Tupinambá.
O Núcleo dos Povos Escravizados reúne manuscritos do poema “Os Escravos”, de Castro Alves, digitalizados do original preservado no Parque Histórico Castro Alves (PHCA), administrado pelo IPAC em Cabaceiras do Paraguaçu. Também há documentos históricos e totens para acesso à plataforma Slave Voyages, um banco de dados gratuito sobre o tráfico transatlântico de escravizados.
O Núcleo Doméstico apresenta mobiliário, retratos, pinturas, desenhos e uma cozinha de época, sem janelas e grandes fornos, retratando o espaço onde as mulheres escravizadas trabalhavam, preparavam a alimentação dos seus senhores e articulavam formas de resistência . Em vez de quartos e salas em estilo colonial, devidamente arrumados, a disposição do mobiliário evidencia a mão de obra de artesãos anônimos.
Exposição "Encruzilhadas", no Museu do Recôncavo da Bahia
Manu Dias/GOV BA
O Núcleo da Memória reúne objetos de suplício e tortura na Sala do Silêncio, convidando o público à reflexão. “Esta reabertura consolida nossa política de preservação e requalificação dos museus do IPAC, ao mesmo tempo em que nos convida a revisitar o passado e escutar as vozes daqueles que moldaram a história do Recôncavo e da Bahia. Aqui vamos recontar a história a partir dessa perspectiva e já estamos preparando uma série de atividades para ocupação do museu”, destaca Marcelo Lemos, diretor-geral do IPAC.
O núcleo ainda inclui a mostra colaborativa Fragmentos do Passado, montada com a participação dos atuais trabalhadores do museu, que receberam uma homenagem do governador Jerónimo Rodrigues. A mostra reúne restos de móveis, ferramentas e objetos encontrados durante as obras e expostos de modo que remete a uma sala de ex-votos. “São fragmentos que contam histórias de trabalho, criatividade e resistência. A curadoria parte da ideia de ex-votos, reinterpretada como gesto de memória e reconhecimento”, explica Daniela Steele, artista plástica e coordenadora do projeto expográfico.
No térreo, o Museu abriga a exposição temporária de longa duração “Encruzilhadas”, que reúne obras de arte negra brasileira e africana dos acervos do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) e do Solar Ferrão. São 40 artistas representados, entre eles Mestre Didi, Pierre Verger, Rubem Valentim, Juarez Paraíso, Emanoel Araújo, Bel Borba, Arlete Soares e Alberto Pitta. A mostra inclui, ainda máscaras da Coleção Cláudio Masella, industrial italiano que reuniu peças de 18 etnias de 15 países.
A escolha da exposição para a reabertura do Museu dialoga com a metáfora da encruzilhada como lugar de movimentos e recomeços, associada a Exu, orixá da comunicação e abertura de novos caminhos.
Acervo e visitação
Núcleo dos Povos Originários, no Museu do Recôncavo da Bahia
Manu Dias/GOV BA
O acervo original do Museu do Recôncavo conta com 260 peças, entre mobiliário, indumentária, desenhos, pinturas, cerâmicas e fotografias, além de instrumentos de tecnologia rural e industrial e objetos de suplício. Destas, 141 foram restauradas por uma equipe de 15 profissionais coordenada pelo professor Dirson Argolo.Entre elas, 30 imagens sacras.
Estão programadas residências e ocupações artísticas e atividades formativas, buscando integrar a comunidade ao cotidiano do espaço. Oito projetos foram selecionados, por meio da PNAB ano 1, entre eles: Ecos do Engenho, que promoverá oficinas abertas de cerâmica inspiradas nas tradições do Recôncavo Baiano e no simbolismo do Marafo de Exu, como metáfora da resistência cultural; e Narrativas da Palavra: Engendrando o Ver, que amplia a participação de pessoas com deficiência no museu, com vídeos com audiodescrição e oficinas de acessibilidade atitudinal e comunicacional.
Histórico
Museu do Recôncavo da Bahia é reaberto após 25 anos
Joá Souza/GOV BA
Instalado no Engenho Freguesia, considerado o primeiro engenho do país, o Museu ocupa um espaço do século XVI marcado pela presença indígena e pela história do trabalho escravizado. Em 1877, 121 pessoas escravizadas atuavam no local.
Herdeiro do casarão, o historiador José Wanderley Pinho — professor, prefeito de Salvador e deputado federal — propôs uma das primeiras iniciativas de proteção ao patrimônio cultural no Congresso. Embora a proposta tenha sido interrompida pela dissolução do Parlamento em 1930, o texto serviu de base para a futura legislação de proteção ao patrimônio cultural e inspirou a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1937.
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